segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Sistema penitenciário brasileiro é concebido sob a ótica masculina




O recente fato ocorrido no município de Abaetetuba (PA), onde uma garota de 15 anos ficou detida durante três semanas em uma cela com 20 homens, trouxe à tona a discussão sobre os descasos enfrentados pelas mulheres que cumprem pena no sistema penitenciário brasileiro.




Em entrevista à Radioagência NP, a coordenadora nacional da Pastoral Carcerária, Heidi An Cerneka, explica como a estrutura carcerária e penitenciária brasileira é concebida dentro de uma ótica masculina que não tem espaço para o cumprimento de pena por pessoas do sexo feminino.




Radioagência NP: Que razões explicam o problema de falta de infra-estrutura para abrigar mulheres que cumprem pena no Brasil?


Heidi An Cerneka: A população prisional feminina em muitos dos estados é baixa. Então eles [governantes] nunca pensaram na mulher detida. Muitos estados têm uma penitenciária só, é por isso que muitas mulheres ficam em delegacias. E mesmo assim, as penitenciárias sempre são em antigos conventos, colégios, unidades [penitenciárias] masculinas e unidades para adolescentes infratores. Nunca são construídas penitenciárias pensando na mulher.




RNP: Então mesmo essas penitenciárias femininas não possuem espaços especificamente projetados para mulheres como berçários ou creches?


HAC: Não existe lugar para berçário, para creche. São poucos estados que têm isso. Rio de Janeiro tem, mas o local não é muito adequado. As últimas pessoas que fizeram uma visita neste local disseram que tinha insetos no berçário e o número de detentas era tão alto que tinha mulheres dormindo no chão.


RNP: Qual a sua avaliação sobre o grande número de mulheres que ficam detidas em delegacias?HAC: O que importa não é tirar todas as mulheres de delegacias, porque nesses estados em que não há uma população [carcerária] grande, elas acabam indo [transferidas] para um lugar [penitenciária] muito distante da família. Ela tem é que ficar em lugar que garanta a segurança dela, em cela separada e para que se tenha um mínimo de dignidade, é indispensável que esses lugares tenham carcereiras femininas.




RNP: Há um número enorme de queixas sobre as dificuldades no cumprimento de cuidados voltados especificamente para o público feminino como a realização de exames de pré-natal das mulheres grávidas. O que você tem dizer sobre isso?


HAC: A questão de pré-natal é uma preocupação grande. Um problema que existe no país inteiro é a questão da escolta policial para consulta. Elas perdem sete de cada dez consultas por falta de escolta. Imagina uma situação onde tem uma pessoa com audiência no fórum, uma pessoa com um problema grave de saúde e uma pessoa que tem uma consulta marcada de pré-natal e tudo isso com apenas uma escolta? Com certeza o pré-natal não vai. Já acompanhamos mulheres que deram à luz na penitenciária porque também não conseguiram chegar ao hospital.




RNP: Fale sobre as dificuldades enfrentadas pelas mulheres para arranjar emprego depois que saem da prisão.HAC: É muito difícil. O Censo Penitenciário de São Paulo mostra que 86% das mulheres detidas têm filhos. Então elas saem da cadeia e também vão reassumir seus filhos. É difícil correr atrás de trabalho. Eu estou acompanhando uma moça que estava no quarto ano de psicologia na universidade quando foi presa. Ela falou que consegue passar em todos os testes quando procura emprego, mas assim que eles sabem que ela possui antecedente criminal, eles falam que ela não precisa voltar. É preciso programas para as pessoas que saem da prisão, programas que deveriam ser focados na questão econômica.




São Paulo, da Radioagência NP, Juliano Domingues.04/12/07



ilustração extraída de www.drooker.com

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